quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A roupa

__Mais um dia comum na facul!!!

__Mentira.

__Eu estava usando uma roupa diferente. Bom pra mim não era diferente, mas devia ser, pois todos fizeram algum comentário.

Inspirada nos comentários (que fez um bem danado para o ego) trago pra vocês um poema de Álamo Pimentel.


A roupa

A roupa guarda muito de mim.
Guarda aqueles que conheço há muito.
Guarda também aqueles que não sei.
A roupa narra muitos de mim.
Narra os que andam por aí.
Narra também os que se escondem.
Os que se apresentam para os íntimos,
e os que nem para os íntimos se revelam.
Com suas cores, imagens, tecidos e
costuras,
as roupas confessam presenças nos
caminhos que faço.
Guardo em minhas roupas o
Inconfessável também.
Pensar numa roupa situa-me no oco do
pensamento,
primeiro preciso vestir o vazio das idéias.
Sensações mudas me sugerem:
a velha camisa e a calça nova,
Há sensações que sugerem outra coisa.
Há ainda as sensações que sugerem um
certo estado de nudez
diante das roupas decompostas no
armário.

A roupa desafia meu pensamento
quando vesti-la não cabe num conceito.
A roupa antes de ser usada
Ás vezes precisa ser inventada por dentro da gente.
Aí, quando a roupa se mostra vira pele
Do que está por dentro.
Ás vezes a roupa não inventa nada.
Cria apenas a superfície do que se deixa ver.
Uma superfície que se deixa ser como as outras.
A esse tipo de vestimenta que me iguala a muitos,
tenho-na como roupa de desaparecer.
Até para torna-se invisível é preciso
uma roupa de sumir.
A roupa alinha, cria, equipara,
Desnivela, aproxima e distância.
A roupa guarda tanto quanto revela de mim.
Creio que não seria infâmia filosófica
dizer: “visto logo êxito”.
á medida que revela e segreda existências,
a roupa é a outra casa do ser,
a casa que se move com o ser,
a casa que move o ser.
A roupa traduz o que indetermina o ser.
A roupa é o que está com o ser.
A roupa traduz várias formas de ser num
mesmo dia.
A roupa é o que está.
Uma forma de apresentar estados do ser.

A roupa guarda as memórias dos abraços
e dos empurrões.
Das carícias e das violências.
A roupa guarda as marcas dos outros em mim.
Os odores que me atravessam entranham a roupa.
A roupa respira e transpira os odores
que desentranhados de mim
espalham-me em cheiro pelo caminho.

A roupa é uma espécie de linguagem
Desenhada no meu corpo.
Ao mesmo tempo que lê os meus estados
de ser,
lê os outros dos meus estados de ser.
Ainda assim fala outras tantas
linguagens.
que me faziam antes mesmo desta existência.
Ao mesmo tempo em que se desenha
no corpo que lhe preenche,
a roupa desenha-me auto-confissões.
Ás vezes chego a crer que me vestir
É uma compulsão de dizer-me.
Dizendo-me com as linguagens dos tecidos,
Das linhas, dos botões, das casas, dos ilhoses, dos cordões
e de toda essas coisas de que são feitas
as roupas.

A roupa é o que abre-e-fecha.
É também o que empresta aos olhos
dos outros
o desejo de vê-la ou não vê-la em meu corpo.
É pura instabilidade.
Aos olhos dos outros a roupa empresta insensatez
quando eu quero oferecer bom senso.
Aparência quando eu quero oferecer essência.
Fresta quando eu quero vedar tudo.
Estampa quando eu quero apagar tudo.
Diferença quando eu busco oferecer semelhança.

Quando a roupa é leveza sou com o vento.
Quando a roupa pesa torno-me monumento.
Quando a roupa desaparece sou como o sol que abraça despido a terra.
Quanto mais escura a roupa mais sou lua nova.
Quanto mais a roupa se deixa iluminar mais sou lua cheia.
Quanto mais a roupa brilha mais estrela eu sou.
Quanto mais a roupa encharca, mais nuvem carregada de outras chuvas eu me torno,
Quanto mais passageira é a roupa mais tempo eu sou.
Quanto mais medidas de mim são roupas, mais espaço eu me torno,
para os outros tantos que não sei quem sou.
Quanto mais colorida a roupa, mais eu sou primavera.
Quanto mais sem cor a roupa, mais eu me desenho em seus brancos.
Quanto menos de roupa carrego mais me subtrai a coragem
porque sobra muito de mim para os outros quando me falta roupa.

Cada roupa que me veste é um texto,
tecido de palavras herdadas e palavras inventadas.
Para dizer aos poucos em laço e nó,
O que quero que saibam de mim.
O texto só se faz aos olhos dos outros,
Ás vezes só os outros conseguem ler
Os escritos que eu mesmo fiz sem sabê-los.

A roupa é o que me pendura no armário.
O que me sacode por dentro.
A roupa é o que me detém e o que me liberta.
A roupa é apenas o que me passa pelo corpo
e me carrega aos poucos nas lembranças dos suores.
Cada roupa confessa o que de mim se vai,
quando eu procuro tudo que ainda não veio,
ou simplesmente tudo que repito do que já fui
quando me falta inspiração para mudar alguma coisa.
Em qualquer intervalo de tempo,
a roupa é o presente que escapa a cada instante.
Cada roupa é a minha derradeira confissão.
Cada roupa é a minha penúltima verdade e dúvida.
Verdade e dúvida que são sempre penúltimas,
porque a quando estiver com a minha última roupa,
Não terei me vestido,
serei a verdade e a dúvida dos outros
vestidos em meu corpo.




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